- Morreu?
Ouviu a pergunta de muito
longe. Seu corpo, estirado sobre as pedras portuguesas e rodeado por
curiosos, estava inerte. Dalí podia ver um céu azul radiante com uma nuvem
imensa passando de soslaio. Voltou no tempo, lá atrás, quando era apenas um menino.
Exausto, após rodopiar na areia, admirava no céu as nuvens formando anjinhos,
cavalos-marinhos, castelos, crianças. O tempo passava lento e quase sempre era
despertado por uma voz longínqua, como agora.
- Coitado! Tão moço!
Há poucos minutos saíra de
uma agência bancária com o dinheiro que sacara do FGTS e atravessava o Largo da
Carioca quando um estranho se aproximou e lhe ordenou baixinho:
- Passa a grana!
Continuou a caminhar ainda
sem entender o que estava acontecendo... como aquele sujeito sabia que ele
estava com dinheiro? Apressou o passo e entrou pelo portão do jardim que dá
acesso ao Convento de Santo Antônio na esperança de se deparar com algum
policial e se safar daquela situação. Mas, ao apressar o passo, a fuga foi
percebida pelo meliante que lhe deu um tiro e fugiu em seguida. Ele cambaleou,
procurando algo em que se apoiar e tombou no meio do passeio com as costas no
chão.
Do seu leito de pedra
podia ver o céu azul e a nuvem branca através de uma abóbada de curiosos.
Percebeu que alguma coisa havia acontecido, mas o céu azul e a nuvem branca lhe
davam uma sensação de paz infinita. Sentiu alguém lhe tomar o pulso,
apertar-lhe a carótida, mas tudo era tão distante.
Tantas vezes quis ser
astronauta, ir além das nuvens, ter a mesma visão de Gagarin ou, quem sabe, ter
um tapete voador para viajar em segundos sobre as areias escaldantes do deserto
e depois avançar sobre as espumas brancas do mar. Não havia mais preocupações.
Contas, compromissos, responsabilidades... nada mais parecia ter importância
diante da beleza daquele céu azul.
- Tá morto?
Não sabia responder.
Estava vivo antes ou estava vivo agora... difícil dizer. Sempre ouvira que na
hora da morte se sentia frio, mas estava quente... talvez já estivesse morto.
Também se lembrava de relatos de pós-morte em que o “morto” se via estirado no
chão e contemplava o alvoroço em torno de seu corpo inerte, mas tudo que
importava naquele momento era aquele céu azul e aquela nuvem branca cobrindo
uma parte do Largo da Carioca.
Foi despertado por um
forte impacto no peito que o fez abrir a boca e buscar o ar desesperadamente.
Como se de seus ouvidos fosse retirado um tampão, ele agora ouvia a algazarra
intensa das pessoas aplaudindo em sua volta.
- Ele está vivo!
As pessoas se abraçavam e
uma moça, segurando sua mão, lhe pedia para não se mexer. Foi erguido do chão,
colocado numa maca e levado para algum lugar. Para onde, não sabia. De tudo que
lhe acontecera só tinha uma certeza: deveria olhar mais vezes para o céu.